decidiu que escreveria para ela. pegou caderno e lápis na cadeira, e foi para a sua mesinha de mogno velha que lhe vira aprender a ler, a escrever e a ser homem.
isabel, isabel, como a rainha de castela.
pensava sempre nisso e até chamava-a de dona de quando em quando, com a esperança de que ela nunca se desse conta do que queria dizer. era assim, afinal, com seu jeito de bibelô, que fazia com que ele, catalão por costume e afinidade, se entregasse a seus domínios com facilidade, reinando sobre ele com a maior das delicadezas. oferecia-a tudo quanto podia lhe dar e desenrolava seu novelo de passados para distraí-la, contava-lhe histórias de toureiros e padres, das suas cicatrizes, de coisas em que o tempo havia feito seus destroços. e ela lhe retribuía sempre, sem com que pedisse, sem com que esperasse. tinha com ele toda a gentileza, todo o carinho, sempre uma conversa, um bombom de menta, uma palavra amiga...
abriu o caderno.
colocou-o aberto em cima da mesa da cozinha e, com o lápis, escreveu o nome dela na primeira linha da página. isabel, vírgula, reina mia, ponto e vírgula, eu sei que...
sabia, claro.
sabia que nunca poderia ser. ela amava a outro, de verdade, e para ele tinha um olhar doce que não poderia ser outra coisa senão fraternal, se muito. mesmo assim, gostava de distrair-se com a ideia dela, pensando nas mãos gentis de dedos compridos, nos gestos longos dos membros compridos e delicados, nos olhos negros cheios de candura e mistério, nos sorrisos soltos que não cabiam em si e escapavam com muita facilidade. pensava em que coroa lhe caberia bem, pousada bem alto no topo da cabeça, por entre os fios de ouro batido. sabia que ela era perfeitamente feliz lá, quieta na sua casa de família perfeitamente boa, com seu noivo perfeitamente amável. mas sonhar ali, no silêncio dos seus mais vis pensamentos, não fazia mal.